quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Do desejo

Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.
Antes, o cotidiano era um pensar alturas
Buscando Aquele Outro decantado
Surdo à minha humana ladradura.
Visgo e suor, pois nunca se faziam.
Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo
Tomas-me o corpo. E que descanso me dás
Depois das lidas. Sonhei penhascos
Quando havia o jardim aqui ao lado.
Pensei subidas onde não havia rastros.
Extasiada, fodo contigo
Ao invés de ganir diante do Nada.


Hilda Hilst

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Como a vida deve ser



Ontem à noite fechei os olhos...
Há tempos não se podia fazê-lo...
Acordei em um avião a muitos quilômetros da Terra.

Ao fundo ouvia o piloto: "Senhores passageiros, este vôo não tem destino, portanto, preparem-se para um pouso forçado."

Silêncio...

Todos continuam sentados e amarrados às suas poltronas apertadas. O olhar: perdido na preocupação de onde íamos.

Depois de um tempo levitando pelos ares desconhecidos, percebi que a aeronave saia de órbita. O incrível: nenhuma cabeça explodiu como nos filmes da infância, nem o ar se esgotou na pressão do que ficou pra trás... Consequência insana onírica; medonha de tão livre, e pensamos cinestesicamente em aproveitar a vista.

Os olhos agora, pra fora da janela, matam saudades dos entes queridos disfarçados de estrelas, admiram os destroços de ilusões mascarados de asteróides; corações, dissimulados de aerólitos; buraco negro, agora furacão da alma. Tudo tinha uma beleza tão especial que nenhum olho aberto poderia ver o que os meus fechados agraciavam. Sentir o calor de um corpo sem mente, sem defeitos, sem passado, sem ervas daninhas, CO2 ou raízes... tudo em coma na magia de esquecer até a si mesmo, quanto mais o mundo...

Mas... Como tudo que dorme tomba...

A arte de dormir pode não ser uma atitude, pode ser a falta de escolha, ou excesso de decisão...

As horas começaram a chover e depois de chuvas de horas bombardeando as asas, as horas também começaram a se esgotar e as asas convulsionavam um tremer ...

A turbulência acorda o monstro do espaço e tempo que devora de uma só vez a casa que me flutuava...

Como avisado no início da viagem, sem destino, de pouso forçado: acordei com a testa ao chão de um quarto frio e meu. Levantei-me sozinha.
Como a vida deve ser...


Joyce Rodrigues

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

O Livro

Meto as mãos na solidão
Toco pedaços de silêncio

Silêncio claro de luminárias

O livro aberto na escrivaninha
Fantasmas me pedindo:

Poesia, mulher, poesia!



Cida Sepulveda