domingo, 25 de outubro de 2009

O universo é finito


Quase toda ouvidos, quase toda coração, quase toda corpo... Dois pinguinhos de mãos caídas... Uma pitada de boca, quase toda beijo... Dois bracinhos roliços, quase toda abraço... Duas perninhas curtas, quase toda passos. Duas pétalas de olhos quase todas as noites abertos, quase a vida toda fechados. Na alma uma porção de medos, quase toda riscos... Nos dedos dez unhas quebradas, quase todas as ruas cavadas... Nas entranhas o rastro do filho nascido, nas entradas sabor do amor perdido...
Quase toda saudade, quase toda sonho, quase íngreme, quase uma ladeirinha donde vazam os polens das pétalas... Uma ponte, quase uma corrente de energia humana, quase invisível, quase (ex)instinto, toda essência...


Joyce Rodrigues

terça-feira, 14 de abril de 2009


Trilhos frouxos
Desvirtuou-se o vagão de um destino qualquer...
Há sempre um eixo invisível
Há sempre um mistério indizível
Nos interstícios dos poros...
Sem querer, nos flagramos olhando de cima,
Além dos que os poros podem exalar,
Cheiro de café ou de merda;
Não importa, o dilema é problema da razão
O sentimento não se conhece
A razão se compromete, em Dizer.
A língua sacoleja
E ir a Dizer ficou fácil...
Mutável Dizer,
Conhecer-te tornou-se o eixo invisível,
Conhecer-me tornou-se momento
Crivo, infalível do tempo
Que agoniza, entre bichos enamorados...
Dois bicudos que se beijam
Línguas que se entrelaçam
Guerra entre mim e meu destino,
Mim é palavra
Desatino, que não se beija,
Sou eu mesmo, o caminho
Espinho que se maltrata
Quando doado a bela, que o espinho jamais poderá ser.
A rosa dada a bela
O sangue dado ao espinho...
Ora! É minha veia assanhando um desgaste,
Pois nada além de sangue a mais da sela, é cavaleiro
Nada além de cavaleiro derramar sangue por assanhamento,
Nada além de um cavalo;
Ora veia, ora bela, ora égua,
Era espinho
Com seus desejos de humano,
Que sabe ver os seus delírios
Correm os trilhos, os hinos,
Os sentidos inventados, cavalo,
Cachorro, gato...
Tudo cheira e exala pelos poros
Que flagram de cima:
Bebendo café e inalando merda.

Joyce Rodrigues em parceria com Jessé Castilho

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Pés de chumbo


Braços frustrados; Pés pesados.

À sete palmos eu choro sua distância.
Eu sou tristonho te enfiando pés cabeça sete palmos.


Peço: ― catalepsia!!!


Eis que ressurge Unhas de Ferro!


Penetra em meu corpo arrependido e cansado este desajeitado...
Dança ao meu lado e não pensa
este morto-vivo, zumbi, a quem tenho amado...


Joyce Rodrigues

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Os tubos de uma vida

Sou tão milhões em mim. Quero fazer tudo. No entanto, uma descoberta me persegue. Pegadas de sangue que deixei. O tudo não me contenta, e nem tudo que quero faz o que é bom pra mim.
Sabendo-se errante, decido reunir tudo que tenho, e sacolejo bem para ver no que vai dar. O incômodo insistente é ter que fazer isso tantas vezes. Tem que se tirar um pouco de amor pra pôr um pouco de pedra. Tirar um pouco de rima, tascar grito. Menos um cadinho de briga, um cadinho a mais de perdão. Uma porção de ódio, o que é difícil encontrar o ponto, posto que toda vez que ponho ódio, perco um espacinho de paz.
Cada experiência que faço explode uma bomba no meu laboratório. Cada vez mais caquinhos de tubos de ensaio em meus olhos, cada vez mais rastros... Volto à rotina juntando dinheiro para mais tubos. O mundo não pode esperar. Com a pseudo evolução agora posso globalizar meus sentimentos através de um mistério, que será para mim, sempre indecifrável; mistério este chamado internet. Nunca vou saber como aquele louco, mais do que eu, conseguiu inventá-la.
Bamba ponte entre mim e o mundo. Braços tão grandes que podem abraçar o planeta, desde que lá tenha energia elétrica, o que é mais fácil de ter numa cidade do que livrarias.
Tendo eletricidade e coisas de cidade grande, numa das experiências: tirei um pouco de livros e pus um pouco de internet. O que posso dizer é que hoje amo ainda mais os livros.
Curto o movimento dos dedos quando obedecem meus punhos e meus punhos obedecem... Em fim, não sei que parte do meu corpo meu pulso obedece; não sei se minhas idéias guardadas no espaço, coração, ventre, entranhas, arrepio da pele... Não posso dizer que “na verdade” porque esta eu desconheço. O que posso dizer é que interpreto que seja uma fusão de tubos. Compreendo que genericamente cada poema que escrevo é um big-bang que se cria dentro de mim. Posso afirmar que veio de um relativo nada. Gero estrelas e sorrisos, choro doído, também pieguice e maldade.
O ato de parir dói em qualquer circunstância; que nasça um universo um poema uma pessoa... Se olharmos de perto cada parte da construção do mundo já se foi poema desde o princípio, antes mesmo dos homens os pescarem para alimento da alma.
O poeta é um pequeno ventríloquo, escravo do poema do mundo, já recitado pelo som das ondas, canto dos pássaros, das nascentes, do vento, do som dos partos que se quebram os ovos...
Depois, os poetas tornaram-se escravos dos sons das placentas se rasgando, do choro de um bebê assustado jogado ao mundo e dos berros de uma mãe despreparada.
O texto sem pé nem cabeça transcreve o poeta. Só o coração fica. Só o peito fica. E fica sentado, caminhos turvos... não pensa e não anda... escreve e deixa rastros... pegadas de sangue que deixei.


Joyce Rodrigues

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Venha

Lá vieram suas mãos
E junto esses seus olhos embebidos de um desejo.
Que desejo? Perguntaram os meus.
Audaciosa, foi meu corpo pelo seu labirinto
A fim mesmo de se perder...
Lá vieram os meus sonhos
E junto esse jeito forte de me cegar.
Abra os olhos. Disse-me um você,
Já o outro sussurrava deixe-se enlouquecer.
Lá vem ele e seu peso,
Esmaga, atropela, do seu jeito, só desse pode ser.
Embriaga-me a voz, lá vão palavras que não posso crer.
Alimento-me com gula das noites sem fim
Medo que seque a fonte
Medo que se parta a ponte
Resquícios sombrios do passado de mim.
Lá vem de queixo baixo apertando os olhinhos
Sorriso canto da boca
Acorda aquela tal louca
Que cisma se esconder nos meus confins.
Recomeço a dança
Balada da devassa que só ele pode ver
Gentilmente o mundo balança
Tênue. Só nós dois, não mais ninguém
Eu aqui você também.

Joyce Rodrigues

A viagem de volta


A boca é rosa
Os olhos méis
A mão de seda
O corpo céu.
A língua mansa
O peito mar
O coração não cansa
de se enganar.
O poema triste
sabor limão
na paisagem bela
pés de jamelão.
Pisaram em mim
cessaram a canção
verdades verdes
jogadas ao chão.

Joyce Rodrigues

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Verdades verdes I

Suas mentiras disseram-me que iam embora.
Suas verdades esconderam-se por trás de uma macieira.
A serpente tornou-se porta voz de seus pensamentos,
e dizia-me apenas o que queria
e não, nunca dizia o que deveria ou algo próximo de um jeito humilde de humanidade.
Fico de pé, rosto voltado pra cima, sem cansar admiro os olhos da serpente.
Envenenada, esqueci de procurar tuas verdades,
esqueci o caminho de casa e peguei carona com as mentiras que se iam...
Eu e tuas mentiras descansando em meus sonhos...
Quando abri os olhos, assustou-me a percepção de que não havia um homem ao meu lado...
Dei três tapas na serpente a fim de que da macieira caíssem as verdades.
Quem diria que eu ia de querer que verdades caíssem se esborrachando ao chão...
Subi de volta no cavalo,
cabeça e olhos nos montes,
coração na boca,
verdades verdes...


Joyce Rodrigues

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009