segunda-feira, 10 de novembro de 2008

O caminho dos Flamboyants




... onde em tudo há flores ...

Em homenagem a um grande amigo.


O caminho dos Flamboyants - Parte I

Vai descendo, descendo, descendo... até chegar ao fundo. E por que descendo? Mas há um vazio, uma dor no peito... é como se ele tivesse sumido e em suma sumiu, só ficando um buraco, que faz lembrar à cada noite que me vive e por conta dela subvertido, que arranquei o amor dali.
Continuou descendo, descendo, descendo... como Flamboyants que moram à beira do canal de São Francisco, e buscam no esgoto, a lembrança que vive incutida em seu instinto de sobrevivência, do sabor da água que um dia foi pura, e mantêm a esperança de que um dia irão chegar, mesmo caminhando milimetricamente pelo tempo, ao momento de embeberem-se do canal. Passam poentes e nascentes admirando e desejando tocar o que seu instinto lhes sussurra ser satisfação e destino.
E foi nos Flamboyants, que presenteiam com beleza extasiante os caminhos "desta que sou", que me vi ao vê-los tombados aspirando a solução e ao mesmo tempo a fossa. Identifiquei o declínio, como os Flamboyants assemelhados ao corpo, o percurso que os olhos admitiam ser caminho.
Triste a percepção tardia, de não parar de espiar um espaço vazio - o lugar onde deveria nascer o riacho para refresco do caule, que traria força para levantar a mira dos olhos das árvores para as águas das chuvas que veem dos céus - como Flamboyants da beira do valão, o instinto mira o esgoto, permanecendo estagnado no buraco do peito.
Talvez esta seja a resposta do por que para se chegar ao fundo precisa-se descer...
De forma ditatorial, a natureza incumbiu-nos de nascer à beira da vala, tendo ápice em apenas desejar o melhor do pior que nos resta do fosso, que ainda com carinho observamos, pois é ele que nos sustenta.
O caminho dos Flamboyants - Parte II
Quando os fiapos dos cabelos do topo do tronco, finalmente iam imergir no esgoto do peito conformado, foram levadas dos Ressequidos Galhos que sobravam: sementes, que viajaram numa corrente de ar inusitada, soprada pelos lábios de um homem bom.
Teve fim o passeio, num canteiro discreto e esquecido de um Shangri-La, que dizem existir escondido em todas as almas.
Rubra e imponente, começa a brotar a primeira flor no peito... assim bem pequena... feito botão de rosa que esconde humildemente a intensidade da beleza que desabrocha ao ser regada.
O delicado bibelô sem espinhos e indefeso, permanecia belicamente de pé naquele lugar misterioso e atraente, ainda que desconhecido. O brotinho, com medo, mas ansioso, agarrava-se aos sonhos que tinha, do que veria e viveria quando finalmente a rosa desabrochasse.
Mas de forma repentina e inesperada, assim como se deu o sopro do renascimento: a flor foi pisada pelos pés de um homem mau. De um jeito rude e desapercebido ao mundo, foi abortado o frágil bebê recém-nascido.
O Ceifador da esperança, permaneceu ao lado, entretanto, mudo e indiferente ao sofrimento. Conforme o carrasco caminhava, e as pétalas mantinham-se presas aos sulcos das botas, inúmeras vezes, o bebê primogênito dos Galhos Ressequidos foi pressionado entre botas e chão: pés ar esmaga, pés ar esmaga, pés ar esmaga... A moribunda Mãe dos restos de sonhos de flor prosseguia seu destino, e cada vez mais se inclinava com mira ao esgoto. O útero foi comprido tornando-se estéril, e útero já seco, não pode ser ninho de flor alguma.
Indaguei-me sobre a má sorte que tomava os prazeres de semear e dar vista à flor. Não foi de surpreender em ter como resposta a mesma pergunta, que somente ecoou pelo vazio e retornou ao princípio.
Sem Glórias, o peito ficou sem ventre, sem Rosa, Margarida, Azaléia ou Camélia... útero sem nome.
Quase sendo fim da odisséia, permanecem atados à Terra: o Indigente, o Ceifador e o Buraco, somente lhes restando velar o corpo de um coração que morreu sem dono...
O caminho dos Flamboyants - Parte III
... o que a ciência não explica ...
Joyce Rodrigues

3 comentários:

M. Cambará N. disse...

São artes essas flores dos resequidos onde memória é latente e causa sofrimento, não? Bonita essa decida. Triste. Disperta dos nossos sonhos de juventude eterna. Gosto muito da finitude das coisas.

Unknown disse...

Onde está o canal, onde está? É muito triste a vontade estéril.

Anônimo disse...

Entre o adolescente e o adulto, há uma passagem que que não é cronológica, algumas transições são suaves, outras um solavanco brusco. Acho que esse seu amigo teve de beber este rio amargo, macular a língua, estremecer o corpo. Agora as águas procuram o seu rumo, estou intuindo.

Um grande abraço,

Continue sempre escrevendo. Há dor no belo (rs)

Um beijo.