quarta-feira, 3 de setembro de 2008

O ralo e o amor do homem


Mote: Pensou um dia a mulher,
que o amor do homem supria-lhe
a carne. Não se sabe se sonho ou concreto
.



CONSIDEREM a louca mijada
jogada no hospício.

Ela questiona a água suja ingerida por toda a vida.
Diz que a água carrega gosto de tristeza.
A água indo tocar sua boca dava-lhe no instante
uma vontade de fazer careta.
Imaginava aquela água triste lavando seu corpo por dentro,
desaguando em suas partes mais íntimas.
Era insuportável mantê-la ali,
em seu corpo, berço sagrado, penitência da alma.
-a água triste não era bem vinda -
Forçava o despejo.
Ardência. Dor.
Finalmente o líquido quente e triste era motivo de seu sorriso quando indo embora.

A louca,
que não aguentava suprir seu corpo com a água da rua,
andava mijada e feliz.

Com o tempo, eliminar a água triste tornou-se instinto.
O homem forçava-lhe boca adentro,
a louca se ria sabendo defender-se do líquido,
sabendo seu corpo seu guardião.
Água triste, da rua, do homem,
sai de suas entranhas, passa as pernas, vai pelo ralo,
volta a seu copo.

Cansou um dia de ser louca mijada das águas do homem.
Recusou-se definitivamente arreganhar-se, ingeri-la.
O corpo da louca viveu sem água triste uns dias
(nunca a louca foi tão feliz quanto agora, sem a impureza da rua)
pouco depois seu corpo secou... faliu... morreu.
Joyce Rodrigues

4 comentários:

E. Andrade disse...

bom demais, li tres vez, porque entro em mim, o sentimento, a alma dos seus poemas é uma coisa que invade a nossa causa choro a ela, é como se abraçasse e sussurrasse em nossos ouvidos causando arrepios por toda a espinha.

Anônimo disse...

fiz a leitura de um ciclo, de uma água triste que não se contém, retorna por necessidade da dimensão humana, da impureza da rua. O embaraço da urina. Até que ponto vai a loucura, os filtros que se impõem pelas convenções... Mas além disso, o que me toca mais é a sensação que as imagens provocam no inconsciente.

Anônimo disse...

Ah, bom, MUITO bom! Parabéns!

Anônimo disse...

água divina?