
Meu vinho em silêncio
sexta-feira, 2 de março de 2012
*Eu sou metal

Pensamentos-chave

Joyce Rodrigues
O sonho

As estrelas estão a milhares de distância de nós.
Há a ausência de luz
com focos de bola de fogo.
Estão fervendo em meio ao oceano infinito
fitados pela singularidade de olhares tristonhos.
Os sonhos nos seguem pelo céu,
pelos flocos do gelo derramado
na noite quente como um sorvete na boca.
Uma língua de energia
que entra pelo beco da noite
através de uma fragilidade
na áurea do mundo.
Joyce Rodrigues
terça-feira, 17 de janeiro de 2012
29

Minha versão dos 29 é como toda a minha vida,intensa,
PORÉM,
agora com lentes de contato.
Um médico do oculto achegou-se e com o dedo indicador erguido, imponente frente ao meu rosto, a instalou em meus olhos. A partir daí descobri cores que meu olhar imaturo não apreciava, assim como deslumbres também sumiram.
Saí de casa e vi árvores sem raízes, pássaros sem asas, flores arrancadas.
Entrei em casa e vi um ninho, ovos, campos de centeio tão grandes que não tinham fim.
Eu não sabia, aos 28, que se podia atravessar espelhos e configurar-se novamente.
Todavia... (e por toda via mesmo)percebo o quanto são preciosos os olhos,
o quanto foram necessárias as lágrimas que os tornam límpidos,
e o quanto é imprescindível paciência para que o sorriso seja genuíno
e puro.
Deste modo, ao regresso do oftalmo, me sinto digna de banhar o mundo com os novos olhos
e dar início a uma nova jornada com orgulho do Ser.
Assim, enxergo as 30 velinhas que se tornarão Luz.
JoYce Rodrigues
quinta-feira, 12 de janeiro de 2012
Adversativo, mas o que não é?

São passos lisos esses
pelos quais nos arriscamos,
e se a Terra for plana
há queda livre ao fim do corredor.
Se as nuvens fossem macias
eu poderia dormir ali por uma vida,
mas elas são vazadas e o resto é chuva.
Eu seria fertilizante das flores,
mas apenas isso.
Sou caquinho de ser humano
querendo ser cristaleira,
querendo brindar a vida com uma taça de papa de farinha
e o caso é pra Super Bonder.
São passos lisos esses que flutuam sobre o tempo
A brisa acertando o rosto
como um beijo de inocência.
Contudo são sonhos dos quais não se quer acordar.
Imagens oníricas que entorpecem o inconsciente,
no entanto não salvam a vida de ninguém.
Num dia de sol quente pisa-se numa grama verde
e escreve-se em uma placa com letras desenhadas:
“Aqui jaz mais um sonho despertado”
Fazemos o retorno e chegamos em casa;
dentro de nós mesmos.
Joyce Rodrigues
sexta-feira, 30 de dezembro de 2011
Uma mentira a menos

Falemos sobre auto destruição.
Sobre os dias de morte em vida, que descobrimos,
assim como uma barata adentra decidida por sua janela,
que já estávamos mortos.
Auto destruição.
Todas as angústias são esporradas em sua cara.
Todas as misérias da alma são bebidas numa taça.
Taça que se ergue e brinda alto: Como sofro!
Nos devoremos!
Escrevamos!
Por que não doar dor?
Fartemo-nos de risadas geladas, insossas, indevidas.
Hoje é o dia da morte!
Imagem fúnebre, caixão, lágrimas, rosas!
Rosas cor de sangue para celebrar a auto destruição.
Agulhas!
Os pensamentos são agulhas viajando pelo corpo fraco, caduco, desnutrido de amor,
sedento, encantado pelo fato de poder a qualquer hora dar cabo de tudo.
Boca salivante. Pinga e deixa marcas de excitação.
Uma oração a Sócrates. Inveja de sua cicuta.
Devaneios que vem e vão.
JoYce Rodrigues
Chuva e Sol: casamento de português

Entre um ônibus e outro vislumbrei o oculto.
Entre os comboios sacolejantes de organismos ansiosos,
nas estradas barulhentas e sol rascante encontrei a chuva
que refrescou meu ser atormentado.
Tudo ficou misturado em seus olhos e arco-íris nos meus.
Quem saberia o que meus olhos transbordantes enxergariam?
Vi de longe que eu veria o oculto.
Pelos carros apressados pela morte,
deslizei de encontro a você e pus minha língua em seu sal para prová-lo
e enxerguei.
Eu vi o oculto.
Entre um ônibus e outro minha mente para no ponto.
JoYce Rodrigues.
À força

Por que ainda a vontade de chorar?
Por que ainda as pessoas como castigo?
Por que ainda lembrar que não sei amar,
Que não sei me dar?
Por que o olhar perdido?
Por que não sei ser tranquilo?
Por que a postura envergada?
Por que os olhos ao chão?
Por que ainda o comichão?
Por que não sou livre de mim,
este corpo que insiste em ser triste,
que insiste em ser arrependimento
doente
levado
maltrapilho
malvado
Por que o nada?
Por que o nada?
Por que mais um passo o abismo?
Por que insisto em ser poço?
Água barrenta.
Tudo em mim é camuflado.
Por que o esconderijo?
O alçapão em baixo da casa.
Por que as mãos dadas a mim mesma?
Por que o gozo por mim mesma?
Por que ainda egoísmo?
Por que ainda ser estranho,
diferente?
Por que ninguém ainda com olhos tão grandes
que me enxerguem melhor, que me devorem?
Quero ser refeição
alimentar almas.
Cansei de ser veneno, cansei de ser facada.
Eu quero ser caminho. Cansei de parar na bifurcação.
Cansei de ser dúvida, cansei de ser não.
Mas meu corpo insiste em ser este ser triste.
JoYce Rodrigues.
sexta-feira, 16 de dezembro de 2011
O aceno das mãos

A caixa torácica querendo deixar de ser
apenas caixa
pulsou tão alto que chegou aos seus ouvidos
sensíveis
Mas suas mãos com receio da surpresa do que havia lá dentro
pôs uma pedra em cima cerrando a expectativa
do novo salto.
E a caixa se fechou.
Os olhos ansiando sua imagem
miraram você tão longe e tão profundo,
que suas mãos,
com receio do que os olhos poderiam ver
vendaram o rosto
com delicadeza,
E os olhos cegaram.
Meu corpo.
Meu corpo querendo seu peso,
querendo morrer sufocada em sua respiração
gemeu tão alto, que ecoou pelo espaço,
e você,
com receio de atender ao chamado,
abriu suas mãos,
deixou que se perdesse,
ecoasse pelo mundo,
e caísse em outros corpos.
Meu corpo, que não pôde mais bailar
se calou.
Um dia, suas mãos enrugadas,
apontaram o indicador para si mesmo ao espelho.
JoYce Rodrigues.
terça-feira, 5 de julho de 2011
A última peça do quebra-peito

Tenho cada vez mais amado o amor.
Sente-se a capacidade de fazê-lo.
O corpo se preparou e espera ser habitado.
Piegas; flor desabrochando no seio que salta a espreita do seu dono.
Seu dono outro.
O peito órfão deseja um lar. Aconchego.
Garras de mulher aranha
teias para proteger o ninho.
Formiguinhas que circulam por toda a pele.
Mãozinhas sem apoio palpitam ao ar
lambidas por conta gotas
espera-se encher o frasco
a cura chegará
os passos finalmente dobrarão a esquina
e o portão será fechado.
Os dedinhos percorrer mais que a ideia.
o poço finalmente cerrado.
O mundo então multicolor,
o prisma se derramará sobre todos na cidade,
pessoas prismadas pelas cores do novo mundo
do lar logo ali depois da curva.
Enfim, completa.
Joyce Rodrigues.
quinta-feira, 30 de junho de 2011
Dia dos enamorados

Mulher sozinha pensa em romance.
Mãos frias
Olhares remotos
A solidão palpita nos corações gelados
Histórias de vida
Pessoas perdidas procurando caminho
A cordialidade toma conta de todos os lugares.
Ser ser humano é coisa de gente doida
Varrida, mal-passada.
A solução está na ousadia
De ser, por si mesmo e executar.
De se reencontrar num olhar
e enfiar goela abaixo mais uma noite sem ele.
Joyce Rodrigues.
Epidemia do século XXI

Gatos pretos que passam por trás de mim
Luta para não ser o presente da vida
Luta para impedir que nasçam as asas
Mutilação do quarto, da casa, do eu
Uma coisa por cima da outra
Os olhos mirados em momentos inoportunos no espelho
As mãos entrelaçam as entranhas
por dentro do estômago
As horas tem outras cores nessa vida
as ruas 13 esquinas
uma volta longa, sem culminância
negra
sem combustível
pipocando e explodindo por aí
sequência demente, necessária (necessária?)
instantes (um atropela o outro), cada, mais eterno que antes
A luz um ultraje
O escuro a benção
Sentimento animal, macaco, anta, barata
miscelânea mal observada
muito se espera dela
o caldo não enche o copo
o corpo
amputado
pelo simples fato de ser
humano.
JoYce Rodrigues
sexta-feira, 15 de abril de 2011
DOIS POETAS NUM BAR

Vem um atarracado
e vem um magricela,
balançam os ombros,
soberbos
e dizem que sabem delas...
belas...
merdas...
....................
As pedrinhas portuguesas,
tão resignadas,
tecidos das passarelas,
e cama dos mendigos.
......................
Copacabana ilustra o cristo
a cabana acolhe a crista
o galo canta pela copa
pela copa que não faz cabana
nem capa para o povo
que se capa, acopla...
.......................
HOMENAGEM A KAFKA
O bar está cheio de barata tonta virando lata
A manhã vem em seguida revelando os insetos...
.......................
Quando a coriza é lavada
e a cólera não se revela,
tudo passa...
assim como os passarinhos passarão...
.....................
Elas e Eles espancam meus ouvidos
mas as sensações devidas estão em alerta
porém perdidas
esperançosas
aguardando pelo alien.
........................
Ficamos nós,
as pedras das passarelas,
os mendigos,
os bêbados,
os brasileiros...
........................
Naquele bar chamado barroquinho,
tá todo mundo entre Deus e o Diabo,
mas é inho,
ninguém liga muito não.
.....................
De repente uns nordestinos
e quilos de sofrimento na maringa achatada
surrada pelo sambista
que perde a família na favela.
...................
Amélia que era mulher de verdade,
escrava da saudade do que não foi.
....................
Amélia, camélia da promiscuidade.
Amarela, tá com aids.
...................
acabou o dinheiro.
JoY e JeS
sábado, 12 de março de 2011
Joana

Passada para trás volta a andar suspensa,
sem firmeza aos pés,
erguendo-se,
tropeço após tropeço...
mesclando-se... rosada, negrume, maquiavélica; inocente.
Deprimida, sob efeito de remédios, eufórica; constante.
Ela volta. Simplesmente volta.
Ao seio da mãe, à rebeldia aos queridos, à aparência para os ausentes, ao esgotamento para os sonhos.
À reconstrução da pedreira, a demolir a candura,
a zombar de si, de ti, a zombar da vida.
Como pode ela, ajudar alguém?
Como pode ela, regenerar-se?
Ela caduca e esmola todos os dias...
É metade Lilith, outra Eva, em parte Maria arrependida...
Por todos e de todas as formas foi deixada.
Nem Adão, nem Deus, nem Hades,
nem José a quer...
E agora José? Até Jesus abandonou-te?
Não há pagão, nem crente para viver com ela, para amar-lhe.
Passou pelo milho, pela palmatória, caiu do céu, subiu do inferno, afogou-se na Terra,
e agora, seu olhar flutua para dentro...
Seu pouco Corem é monótono demais
e sua parte Perséfone, pérfida em excesso...
Trancou as algemas à cama e bebeu as chaves.
Não há juiz que a absolva.
Nem suborno, nem oração.
E agora, Joana?
Mata-te.
JoYce Rodrigues.
quarta-feira, 9 de março de 2011
O Paciente

Quarto, sala de espera... tudo tão parecido. De forma paciente aguarda-se a sua vez. O Dr chamará o seu nome, o amor gemerá sua graça, a ilusão baterá à sua porta. O paciente pega a senha. Pega a guarda. O escudo. O cobertor. A guarda da cama no quarto. No hospital. Na casa. No hospício. No hotel. Na merda. O paciente aguarda. Espera que o pássaro azul lhe chegue, lhe pie, lhe cure, bata na porta do seu quarto. No zoológico. O paciente espera. Aperta. Cerra. Espreme. Contorce. Ninguém bateu à porta do seu quarto. O Dr o xingou de paciente, a mamãe de preguiçoso. A moça do livro disse que você precisa de ajuda. Mas você está no seu quarto. No cômodo. Lá dentro. De você. Você está surdo. Como irá ouvir o pássaro azul cacarejar seu nome? Que nome? Quem é você? O paciente.
Aguarde na fila.
JoYce Rodrigues
sexta-feira, 28 de janeiro de 2011
Projéctil

Não percebe onde existe a força na alma mais sensível? O poeta nada mais faz, do que deixar que sua nódoa se espalhe pelo mundo, percorra corações, olhos, reflita em expressões... É o terremoto no corpo, é a hora que tudo cai a atinge quem se protege no último andar. É o abrigo subterrâneo sendo aberto, e de peito nu, deixa-se que a bomba exploda e estoure seu corpo inteiro. Os pedaços humanos voam e colidem com as pessoas mais distraídas... as mais inocentes... A bomba relógio não possui paciência... não pondera... ela age, não perdoa. A beleza segue em frente aos seus olhos pouco estudados, assim com a feiúra e a angústia passeiam ao seu redor, e tudo junto te invade e você não sabe a hora em que finalmente abrirá seus olhos.
Nas trevas enxergamos como cobras. Envenenamos o silêncio, não suportamos ousadias, atacamos sem reaver motivos. Como bichos peçonhentos, damos o bote no desconhecido e nos arrastamos na lama. Assim é o homem. Sobrevive de eternos enganos e ataques. Não enxerga o que a um dedo está de sua vista! A autópsia incrimina: é assassinato! Apegue-se a copromancia e seu futuro estará ali. Afogado e claro como seus restos.
A sede de ser feliz sente medo da parte real que a vida abstrai. O poeta procura o cadáver vivo em cada um de nós. E aniquila a parte danosa. Estar morto não impede a realização. Afinal, que certeza temos sobre a morte? Que certeza lemos sobre a vida se cegos somos? Que prazer sentimos em estar com um doce amado? O que é prazer? Para alguns o absoluto encontra-se na agonia. Eu posso cantar a alegria! Eu posso caminhar pelo bosque do inferno! E mesmo lá, ou cá, encontrarei as questões... Deitar-me-ei sobre o eterno... repousarei meu corpo cansado... descansarei minhas pálpebras exaustas do esforço, da procura, já que o tato, asco nos causa.
JoYce Rodrigues.
Monte o seu castelo
Ninguém te disse que fantasmas não existem,
porém, te disseram para acreditar apenas no que vê.
Te disseram também que os olhos são as janelas da alma,
mas como fica a alma no meio de seu estrabismo?
Ninguém te disse que você é um índio domesticado, mas sim que seu trisavô era português e dono de muitas terras.
Sua trisavó, foi uma linda índia, a quem pediram que se orgulhasse do casamento com o português muito educado que veio da Europa.
Talvez alguém tenha te dito que os antepassados da bela índia foram massacrados pelos europeus educados.
O interessante deste adendo é que sua história é muito triste, porém você sorri como um bobo-alegre e continua adestrado aos moldes dos massacradores.
Ninguém te disse para se rebelar, todavia para admirar a nação mais bélica e sangrenta do planeta Pedra. Planeta Pedra porque ninguém te disse que planeta tem muito a ver com a alma e com os olhos e com as janelas.
Se fosse Terra brotaria frutos, sendo Pedra brota morte.
E ainda que falasse a língua dos anjos,
Sem dinheiro eu nada seria.
A pobreza é fogo que arde em minhas mãos.
É ferida que dói e não se tem remédio.
É o não contentar-se com o salário mínimo.
É a vida que se ganha para envelhecer.
É só a dor! É só a dor
que conhece o que é verdade.
O amor é um dom, mas o homem é mau,
Sente inveja e apodrece.
Estamos acorrentados e todos dormem.
Todos fogem. Todos morrem.
Por mais que enxerguemos em parte
Esbofeteamos face a face.
........................
JoYce Rodrigues, mais paródia da música Monte Castelo (Legião Urbana) /Camões /Coríntios 13.
sexta-feira, 8 de outubro de 2010
O muro

É normalmente assim, sempre se volta para a direção errada. Quando um se arrepende e lembra de quão valoroso era o seu amor vivo em sua vida, e volta em um regresso de sorriso largo, peito à boca, olhos novamente recém-nascidos, e finalmente torna a sonhar como um adolescente que acabou de conhecer o amor e o toque de corpos; o outro, sempre o outro, afinal um órgão extra corpóreo, incontrolável, desarranjado da sinfonia, desafina e grita, rejeita e sofre. Incansavelmente, tornamos a caminhar desnorteados em volta do próprio lar. Não há entradas, as janelas estão abertas, porém, as cortinas esvoaçantes assustam.
Joyce Rodrigues para o agora.
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010
Da vida

Tudo té aqui mudou.
Mas quero a vida assim;
Brota e morre numa noite,
Desterra e se pune simples,
Desaba, colhe, se finda...
Imutável relação entre morte e desejo.
Brota uma folha na terra que baila
Um predicado incrédulo, porém puro.
Desvela e revela...
Mutualismo preciso
A gota pingada nas entranhas
Uma goteira desembestada em sua mente
Desliza por caminhos ocultos
A gota não corre por um fim
Anseia pelo recomeço
Ela é erótica na essência
O vazamento percorre de traz pra frente
Como a saliva que suga a força
Ela vai expelindo a pessoa que é
Disforme, faminta e plena...
Como se estivesse sendo punida
Sensação última de fisgada
A torneira se fecha e eles abrem o chuveiro...
Joyce Rodrigues
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
A falta que ela faz em si

Esconde-se no vale de ninguém enquanto Ninguém chora e tenta assassinar afogado o desespero do amor ido... Não dá pra carregar tanto vazio... puxa a descarga, abre a torneira...
maçãs ilustradas/vermelhas/estragadas
Imagina seu rosto banhado das lágrimas que lhe presenteou como uma grega sonsa... agora vivem Cem anos de Solidão batalhando nessa Guerra Fria...
Competição de sofrimento... duas fortalezas de isopor, dois buracos de tatu que se unem na parte mais funda do poço...
Ela chora esse sangue dorido passe/ador, porém...
Nunca é o bastante... nunca conseguiu esvaziar o pote...
Um vírus prolifera-se vai carcomendo o sistema imunológico não sabe mais se virar sozinha...
vício, fumo, câncer ...
a maldade dele a faz companhia... essa morte lenta a faz sentir viva... esse ex/trago de vida...
Porque o amor nos torna sempre tão dramáticos...
Joyce Rodrigues
domingo, 25 de outubro de 2009
O universo é finito

Quase toda saudade, quase toda sonho, quase íngreme, quase uma ladeirinha donde vazam os polens das pétalas... Uma ponte, quase uma corrente de energia humana, quase invisível, quase (ex)instinto, toda essência...
terça-feira, 14 de abril de 2009

Desvirtuou-se o vagão de um destino qualquer...
Há sempre um eixo invisível
Há sempre um mistério indizível
Nos interstícios dos poros...
Sem querer, nos flagramos olhando de cima,
Além dos que os poros podem exalar,
Cheiro de café ou de merda;
Não importa, o dilema é problema da razão
O sentimento não se conhece
A razão se compromete, em Dizer.
A língua sacoleja
E ir a Dizer ficou fácil...
Mutável Dizer,
Conhecer-te tornou-se o eixo invisível,
Conhecer-me tornou-se momento
Crivo, infalível do tempo
Que agoniza, entre bichos enamorados...
Dois bicudos que se beijam
Línguas que se entrelaçam
Guerra entre mim e meu destino,
Mim é palavra
Desatino, que não se beija,
Sou eu mesmo, o caminho
Espinho que se maltrata
Quando doado a bela, que o espinho jamais poderá ser.
A rosa dada a bela
O sangue dado ao espinho...
Ora! É minha veia assanhando um desgaste,
Pois nada além de sangue a mais da sela, é cavaleiro
Nada além de cavaleiro derramar sangue por assanhamento,
Nada além de um cavalo;
Ora veia, ora bela, ora égua,
Era espinho
Com seus desejos de humano,
Que sabe ver os seus delírios
Correm os trilhos, os hinos,
Os sentidos inventados, cavalo,
Cachorro, gato...
Tudo cheira e exala pelos poros
Que flagram de cima:
Bebendo café e inalando merda.
quarta-feira, 8 de abril de 2009
Pés de chumbo

Eu sou tristonho te enfiando pés cabeça sete palmos.
Peço: ― catalepsia!!!
Eis que ressurge Unhas de Ferro!
Penetra em meu corpo arrependido e cansado este desajeitado...
Dança ao meu lado e não pensa
este morto-vivo, zumbi, a quem tenho amado...
quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009
Os tubos de uma vida

Sabendo-se errante, decido reunir tudo que tenho, e sacolejo bem para ver no que vai dar. O incômodo insistente é ter que fazer isso tantas vezes. Tem que se tirar um pouco de amor pra pôr um pouco de pedra. Tirar um pouco de rima, tascar grito. Menos um cadinho de briga, um cadinho a mais de perdão. Uma porção de ódio, o que é difícil encontrar o ponto, posto que toda vez que ponho ódio, perco um espacinho de paz.
Cada experiência que faço explode uma bomba no meu laboratório. Cada vez mais caquinhos de tubos de ensaio em meus olhos, cada vez mais rastros... Volto à rotina juntando dinheiro para mais tubos. O mundo não pode esperar. Com a pseudo evolução agora posso globalizar meus sentimentos através de um mistério, que será para mim, sempre indecifrável; mistério este chamado internet. Nunca vou saber como aquele louco, mais do que eu, conseguiu inventá-la.
Bamba ponte entre mim e o mundo. Braços tão grandes que podem abraçar o planeta, desde que lá tenha energia elétrica, o que é mais fácil de ter numa cidade do que livrarias.
Tendo eletricidade e coisas de cidade grande, numa das experiências: tirei um pouco de livros e pus um pouco de internet. O que posso dizer é que hoje amo ainda mais os livros.
Curto o movimento dos dedos quando obedecem meus punhos e meus punhos obedecem... Em fim, não sei que parte do meu corpo meu pulso obedece; não sei se minhas idéias guardadas no espaço, coração, ventre, entranhas, arrepio da pele... Não posso dizer que “na verdade” porque esta eu desconheço. O que posso dizer é que interpreto que seja uma fusão de tubos. Compreendo que genericamente cada poema que escrevo é um big-bang que se cria dentro de mim. Posso afirmar que veio de um relativo nada. Gero estrelas e sorrisos, choro doído, também pieguice e maldade.
O ato de parir dói em qualquer circunstância; que nasça um universo um poema uma pessoa... Se olharmos de perto cada parte da construção do mundo já se foi poema desde o princípio, antes mesmo dos homens os pescarem para alimento da alma.
O poeta é um pequeno ventríloquo, escravo do poema do mundo, já recitado pelo som das ondas, canto dos pássaros, das nascentes, do vento, do som dos partos que se quebram os ovos...
Depois, os poetas tornaram-se escravos dos sons das placentas se rasgando, do choro de um bebê assustado jogado ao mundo e dos berros de uma mãe despreparada.
O texto sem pé nem cabeça transcreve o poeta. Só o coração fica. Só o peito fica. E fica sentado, caminhos turvos... não pensa e não anda... escreve e deixa rastros... pegadas de sangue que deixei.
sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009
Venha

E junto esses seus olhos embebidos de um desejo.
Que desejo? Perguntaram os meus.
Audaciosa, foi meu corpo pelo seu labirinto
A fim mesmo de se perder...
Lá vieram os meus sonhos
E junto esse jeito forte de me cegar.
Abra os olhos. Disse-me um você,
Já o outro sussurrava deixe-se enlouquecer.
Lá vem ele e seu peso,
Esmaga, atropela, do seu jeito, só desse pode ser.
Embriaga-me a voz, lá vão palavras que não posso crer.
Alimento-me com gula das noites sem fim
Medo que seque a fonte
Medo que se parta a ponte
Resquícios sombrios do passado de mim.
Lá vem de queixo baixo apertando os olhinhos
Sorriso canto da boca
Acorda aquela tal louca
Que cisma se esconder nos meus confins.
Recomeço a dança
Balada da devassa que só ele pode ver
Gentilmente o mundo balança
Tênue. Só nós dois, não mais ninguém
Eu aqui você também.
A viagem de volta
segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009
Verdades verdes I

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009
segunda-feira, 10 de novembro de 2008
O caminho dos Flamboyants

Continuou descendo, descendo, descendo... como Flamboyants que moram à beira do canal de São Francisco, e buscam no esgoto, a lembrança que vive incutida em seu instinto de sobrevivência, do sabor da água que um dia foi pura, e mantêm a esperança de que um dia irão chegar, mesmo caminhando milimetricamente pelo tempo, ao momento de embeberem-se do canal. Passam poentes e nascentes admirando e desejando tocar o que seu instinto lhes sussurra ser satisfação e destino.
Triste a percepção tardia, de não parar de espiar um espaço vazio - o lugar onde deveria nascer o riacho para refresco do caule, que traria força para levantar a mira dos olhos das árvores para as águas das chuvas que veem dos céus - como Flamboyants da beira do valão, o instinto mira o esgoto, permanecendo estagnado no buraco do peito.
Talvez esta seja a resposta do por que para se chegar ao fundo precisa-se descer...
De forma ditatorial, a natureza incumbiu-nos de nascer à beira da vala, tendo ápice em apenas desejar o melhor do pior que nos resta do fosso, que ainda com carinho observamos, pois é ele que nos sustenta.
Teve fim o passeio, num canteiro discreto e esquecido de um Shangri-La, que dizem existir escondido em todas as almas.
Rubra e imponente, começa a brotar a primeira flor no peito... assim bem pequena... feito botão de rosa que esconde humildemente a intensidade da beleza que desabrocha ao ser regada.
Mas de forma repentina e inesperada, assim como se deu o sopro do renascimento: a flor foi pisada pelos pés de um homem mau. De um jeito rude e desapercebido ao mundo, foi abortado o frágil bebê recém-nascido.
O Ceifador da esperança, permaneceu ao lado, entretanto, mudo e indiferente ao sofrimento. Conforme o carrasco caminhava, e as pétalas mantinham-se presas aos sulcos das botas, inúmeras vezes, o bebê primogênito dos Galhos Ressequidos foi pressionado entre botas e chão: pés ar esmaga, pés ar esmaga, pés ar esmaga... A moribunda Mãe dos restos de sonhos de flor prosseguia seu destino, e cada vez mais se inclinava com mira ao esgoto. O útero foi comprido tornando-se estéril, e útero já seco, não pode ser ninho de flor alguma.
Indaguei-me sobre a má sorte que tomava os prazeres de semear e dar vista à flor. Não foi de surpreender em ter como resposta a mesma pergunta, que somente ecoou pelo vazio e retornou ao princípio.
Sem Glórias, o peito ficou sem ventre, sem Rosa, Margarida, Azaléia ou Camélia... útero sem nome.
Quase sendo fim da odisséia, permanecem atados à Terra: o Indigente, o Ceifador e o Buraco, somente lhes restando velar o corpo de um coração que morreu sem dono...
quarta-feira, 5 de novembro de 2008
A sacada de Olimpo

Um olimpo de intrigas pervertidas
repousando sobre o capitel das colunas,
que já quase não aguentam a profundidade de suas estruturas rasas,
do tripé manco
sustentando templos de areia,
pois todos nós dispensamos grãos em terras inférteis.
Onde o grão cai nada nasce
nem pode, o útero seco
nem recebe nem doa luz ao mundo
tem apenas uma leve impressão resumida em conceitos
como prognósticos fora da validade receitados por doutores da hipocrisia
no hospital da insanidade
à beira do mar, a beira da morte,
e da sacada
no equilíbrio do parapeito
para querer me arremessar todos os fantasmas do âmago
assombrando a soleira
se derramando sobre cabeças ineptas
mentecaptas
e pára o peito necessariamente por um segundo
uma parada cardíaca
em plena parada de ônibus
A chuva
se une as lágrimas da correnteza o fim no esgoto,
corrente... correntes...
que nunca se quebram
os cálices,
os pré cacos já cortam o pulso
e cerram impunemente o baço
extirpa-o vai ao apêndice,
chega a inflamada pedraria.
Quem nunca pecou, que atire uma pedra do seu apêndice
e tire dos rins da renovação um pingo de força para o alheio,
uma gota de soro,
o açúcar da alma e o sal da genitália,
evolando, exalando
ovulando migalhas
estéreis...
Arraste a bola desta corrente,
pois,
você tem que aguentar pelo menos o seu próprio peso,
o próprio preço da condenação.
A inquisição até hoje nos assola a consciência.
O dilema perpétuo,
o eco luciferificado nas catedrais do inconsciente.
quinta-feira, 30 de outubro de 2008
Do desejo

quarta-feira, 29 de outubro de 2008
Como a vida deve ser

Ontem à noite fechei os olhos...
Há tempos não se podia fazê-lo...
Acordei em um avião a muitos quilômetros da Terra.
Ao fundo ouvia o piloto: "Senhores passageiros, este vôo não tem destino, portanto, preparem-se para um pouso forçado."
Silêncio...
Todos continuam sentados e amarrados às suas poltronas apertadas. O olhar: perdido na preocupação de onde íamos.
Depois de um tempo levitando pelos ares desconhecidos, percebi que a aeronave saia de órbita. O incrível: nenhuma cabeça explodiu como nos filmes da infância, nem o ar se esgotou na pressão do que ficou pra trás... Consequência insana onírica; medonha de tão livre, e pensamos cinestesicamente em aproveitar a vista.
Os olhos agora, pra fora da janela, matam saudades dos entes queridos disfarçados de estrelas, admiram os destroços de ilusões mascarados de asteróides; corações, dissimulados de aerólitos; buraco negro, agora furacão da alma. Tudo tinha uma beleza tão especial que nenhum olho aberto poderia ver o que os meus fechados agraciavam. Sentir o calor de um corpo sem mente, sem defeitos, sem passado, sem ervas daninhas, CO2 ou raízes... tudo em coma na magia de esquecer até a si mesmo, quanto mais o mundo...
Mas... Como tudo que dorme tomba...
A arte de dormir pode não ser uma atitude, pode ser a falta de escolha, ou excesso de decisão...
As horas começaram a chover e depois de chuvas de horas bombardeando as asas, as horas também começaram a se esgotar e as asas convulsionavam um tremer ...
A turbulência acorda o monstro do espaço e tempo que devora de uma só vez a casa que me flutuava...
Como avisado no início da viagem, sem destino, de pouso forçado: acordei com a testa ao chão de um quarto frio e meu. Levantei-me sozinha.
Como a vida deve ser...
Joyce Rodrigues
quarta-feira, 8 de outubro de 2008
O Livro
segunda-feira, 15 de setembro de 2008
O casamento do céu e do inferno

Poentítese

MOTE: Jamais veríamos a luz das estrelas
se o céu não fosse breu.
Quando o breu, que anda vagarosamente em minúcias,
deliciando-se das palavras do poeta
tomar de vez a terra que existe em sua cabeça;
saberá finalmente a função da poesia e
a função do poeta.
E depois que seu corpo
estiver efetivamente destruído,
falido, no breu total do entendimento,
rendido aos prazeres das palavras,
que em saltos mortais emanciparam-se de um palato,
poderá finalmente saber o que está fazendo,
e que por onde caminhou, té aqui tão seguro;
nada mais era, que a beira de um abismo,
cego de tanta luz.
O poeta não caminha frente à luz.
Ele foge, como um vampiro do sol,
quer ser gelo, quer ser o eu lírico apenas,
quer ser morte para não ter que morrer novamente.
Quem conhece a luz não borra o papel com tinta preta,
reescreve os fins no pergaminho com tinta breu.
Joyce Rodrigues
domingo, 14 de setembro de 2008
Subúrbio da alma

Estou só.
No momento,
retomando a boca do subúrbio da minha alma.
Não posso ter dó.
No monumento,
escarro tendo fim na laje, que uns homens bateram até que ficasse bem rígida.
Era necessário que fosse dura,
ou levaria no peito as rajadas das metralhadoras
dos homenzinhos que tentam invadir minha favela.
Por isso...
não reclamem do colete que carrego frente o coração...
Estou só.
E estou armada. E isso é necessário.
Tenho apenas um subúrbio na alma para ser tomado,
e mesmo assim, de vez em quando, um pilantra aparece por aqui tentando invadi-la.
Deve ser porque a boca é valiosa...
contém informações e declarações nunca antes ouvidas...
A Reforma que tive que fazer quando tive dó, não tem reembolso.
Então não tenho dó e não tenho dor.
Estou de pé, protegendo o subúrbio da minha alma.
Estou só.
quarta-feira, 3 de setembro de 2008
O ralo e o amor do homem

Mote: Pensou um dia a mulher,
que o amor do homem supria-lhe
a carne. Não se sabe se sonho ou concreto.
CONSIDEREM a louca mijada
jogada no hospício.
Ela questiona a água suja ingerida por toda a vida.
Diz que a água carrega gosto de tristeza.
A água indo tocar sua boca dava-lhe no instante
uma vontade de fazer careta.
Imaginava aquela água triste lavando seu corpo por dentro,
desaguando em suas partes mais íntimas.
Era insuportável mantê-la ali,
em seu corpo, berço sagrado, penitência da alma.
-a água triste não era bem vinda -
Forçava o despejo.
Ardência. Dor.
Finalmente o líquido quente e triste era motivo de seu sorriso quando indo embora.
A louca,
que não aguentava suprir seu corpo com a água da rua,
andava mijada e feliz.
Com o tempo, eliminar a água triste tornou-se instinto.
O homem forçava-lhe boca adentro,
a louca se ria sabendo defender-se do líquido,
sabendo seu corpo seu guardião.
Água triste, da rua, do homem,
sai de suas entranhas, passa as pernas, vai pelo ralo,
volta a seu copo.
Cansou um dia de ser louca mijada das águas do homem.
Recusou-se definitivamente arreganhar-se, ingeri-la.
O corpo da louca viveu sem água triste uns dias
(nunca a louca foi tão feliz quanto agora, sem a impureza da rua)
pouco depois seu corpo secou... faliu... morreu.
sexta-feira, 29 de agosto de 2008
Morte ao museu

Se o tempo perdoasse meus deslizes,
não seria eu agora uma sala de exposições...
A sala, deveria, pelo tempo,
carregar o pó de toda uma lembrança
deixada amontoada e solitária.
No entanto, a sala, sempre limpa,
revela minhas constantes visitas e apreço pelo entulho.
Cada tijolo da casa tombada
é minuciosamente ilustrado com o óleo agridoce, que vaza do meu olhar e é semeado por meus dedos.
Minhas reflexões tentam levantar a casa,
entretanto, a equação é indecifrável.
eu visito a sala velha, carcomida,
enfeitada de flores, limpa e angustiosa.
O tempo não me perdoa
e fez de mim uma escrava eterna de suas brincadeiras de esconder e achar.
e acha em mim apenas
a sala velha com poesias mortas
porém, limpas dentro.
quinta-feira, 28 de agosto de 2008
Pacto comigo e só

Quero fazer um pacto com o diabo.
Quero meu coração de volta.
Quero de volta a alma que Deus roubou de mim e estocou no quartinho de entulhos.
Quero de volta o sangue em minhas veias...
Mesmo que me traia.
Mesmo que maligno.
Quero o vermelho da minha vida mesmo que para sujar-me,
mesmo que apenas encha o poço para o afogamento.
Morrer afogada em mim mesma?
Narciso que não me venha cobrar direitos autorais...
Joyce Rodrigues
Cinco sentidos orais

Me acaricia com as palavras porque as mãos não aprenderam a tocar.
Me observa com a memória porque os olhos cegaram-se ao olhar.
Me beija a boca como a testa por querer beijar o coração e isso não se pode dar...
Carinhos com/tensão entre.
Lambidas secas, sem saliva.
Entrega sem mandíbula, sem glândulas, sem química,
não palpável.
Os caninos aprenderam a morder mas não digerem a mulher,
ela volta pelo esôfago
biles pela boca -
a mulher-nada na indigestão.
fuga -
Fuja mulher! (o anjinho da guarda acima do ombro direito sussurra em seu ouvido)
- Acaricia com/tensão entre (palpita a figura oposta, no ombro esquerdo)
Vômito provocado, escapa pela tangente.
Ela esvaiu-se no discurso jorrado do homem...
Toma-se um banho...
“água lava tudo”.
Joyce Rodrigues
Debruçada em Billie Holiday

Debruçada no piano
canto os males arrebatados da vida,
derreto os enigmas indecifráveis,
preparo uma poção de amor etílico
e embriago o sexo quando ainda imaginação.
Sinto-me voltando para casa...
Debruçada no piano
entreguei meu corpo a aquele homem,
cujo charme transbordava em cheiro
e eu em cio, deixei levar-me as virtudes e tudo mais o que quis.
Agora canto os prazeres de sua falta
bebendo o suco de nossa canção.
Debruçada no piano conto a todos as loucuras do nosso amor e das vezes que desvairei de tanta paixão.
Sorrio e disfarço as feridas incuráveis
das pancadas que levei daquele homem,
o qual entreguei a mocidade, a inocência e a capacidade de sentir profundamente a presença de outro qualquer...
Debruçada no piano,
conto as manchas que as lágrimas desbotaram em sua cauda,
que derramei lamentando o que ficou no vazio...
e mesmo assim
sinto-me voltando para casa...
Castelo de fumaça

Esconderijo do corpo para dentro dele mesmo.
Passos curtos por estrada longa.
Olhos fixados a terra suja abaixo dos pés
(Para o corpo ela corre mais que o tempo)
Mãos no bolso.
Adeus não há.
Faltam as ilusões no dicionário de minha língua.
Para onde foram as mentiras?
Por acaso escondidas por trás dos muros do homem, ou tomada só para si, para o livro das "verdades"?
São muitas "verdades" para respirar
os pulmões não dão conta...
preciso da nuvem anfetamínica para contaminar essa bondade...
preciso das mentiras para respirar,
muitas verdades poluem a ilusão, antítese da vida...
Imã da terra, pés de ferro,
livro aberto sobre o rosto,
janelas da alma de cortinas fechadas,
o objetivo é dormir,
portanto peguem as pedras que eu estou passando.
Você nunca esteve deitado em sua cama fumando um cigarro e isso é muito estranho pra mim...
Joyce Rodrigues
domingo, 10 de agosto de 2008
A caixa de Pandora

Olá! Como tem passado? Mais um atropela a vida de Pandora, com uma pergunta sem interesse pela reposta. Propriamente: vou bem! E você? Tudo ótimo! Que bom! E lá se vai outro... Pandora prossegue, entretanto, muito interessada pela resposta. Caminha pensando nas centenas de listinhas de auto-ajuda que já fez em sua vida. O que não quer ser, o que quer, defeitos, qualidades, promiscuidades, bondades, com quantos já fez amor, com quantos gostaria de fazer, dos quais se arrepende, quantos livros já leu, quantos prestaram, quantos filmes foram vistos, quais ainda precisam ser, lista dos amigos, de convidados, de supermercado, de Natal... Pandora começa a sentir-se entediada tanto quanto este parágrafo.
Resolve um dia ser sincera. Um dia. Olá! Como tem passado? Estava em alta velocidade. Impropriamente: entediada! E gostaria de falar sobre isso. Podemos nos sentar, tomar um café, conversar um pouco? Infelizmente tenho horário e já estou atrasada. Seria ótimo num outro dia, beijos. Esta tomará multa, conclui Pandora, que volta a pensar sobre seu tédio. Decide ligar para uns amigos. Oi! E aí? Aluguei uns filmes, quer ver comigo? Podemos aproveitar e tomar um café, colocar o papo em dia... ando precisando de uma conversa... - Ótimo! Que horas? Quando sair do trabalho vou direto para sua casa. Fechado, aguardo você. As horas, protetoras do destino, passaram cumprindo sua defesa e Pandora assistiu seus filmes só. Que vontade de tomar um café! O mundo anda ocupado demais para as sutilezas de uma mulher! Calúnia? Não!! O mundo anda ocupado demais para as sutilezas de uma mulher...
Alô, como vai? Pandora percebe que nenhum interesse, mesmo de sua parte, existe por essa resposta. Rapidamente: quer sair comigo? Tomar um café, conversar um pouco? Claro! Que horas? Agora não posso saber, me liga mais tarde e marcamos. Ok, até mais. Um abraço. O número que você ligou encontra-se desligado ou fora da área de cobertura. Por favor tente mais tarde. Tarde demais!! Esbraveja a mulher e suas sutilezas. Mas o mundo anda ocupado demais para as bravuras de uma mulher... O mundo anda cansado para gentileza e inteligência; mais fácil os manuais, dublagens e traduções. Cada vez mais disposto a automatização, a significância do insignificante – (pelo menos para mim)- que não me sinto tomado por esta Terra. Não há seres humanos, há urubus em lixões atrás de carniça. Como Pandora pôde imaginar?! Um ser humano de carne, coração e cérebro a passear pelas rodovias desta Terra! A mulher que esbraveja sutilezas enganou-se, obviamente.
Certo dia, Pandora teve um encontro inesperado! Poderia finalmente dividir seus pensamentos, dúvidas e convicções. Falar o quanto quisesse, gritar, xingar, elogiar-se, contar mentiras, ser inocente, indefesa, sonsa, puta, advogada, Deus! Neste amigo ela poderia confiar! Via-se num tapete mágico de Aladim sobrevoando suas conversas engasgadas. Entrou por um túnel semelhante a um grande ouvido. Deslizava e ria convulsivamente: caixa timpânica, martelo, bigorna, estribo, tímpano, janela redonda, trompa de eustáquio, labirinto... Pandora boba e sua descoberta. Nada poderia se comparar a leveza, a paz, do infinito papel que estendido estava diante de sua língua. Área de broca. Área de Wernicke.
Dava bailes e saraus todos os dias! Papel, caneta e punhos, todos dançavam coordenadamente a música de seus poemas...
Olá! Como vai? Eu poderia falar com Pandora? Pandora se mudou. Não mora mais aqui. E para onde ela foi? Quando vai voltar? Por trás daquela porta está o corpo inepto de Pandora, dentro do papel que lá está, reside a alma de uma mulher e suas incompreensíveis sutilezas.
Joyce Rodrigues.